J�lia Molina
Quando se fala em literatura, às vezes poesia e arte se encontram. É isso que mostra a exposição Grande desejo - Dinorá Bohrer Silva encontra Adélia Prado. A atividade, que abre hoje, às 19h, ocupa a Sala O Arquipélago do Centro Cultural CEEE Erico Verissimo (Andradas, 1.223) até 2 de abril. A visitação gratuita pode ser feita de terça a sexta-feira, das 10h às 19h, e aos sábados, das 11h às 18h. A promoção é do ateliê Maria Rita Caminhos Culturais, com coordenação de Maria Rita Webster e curadoria da crítica de arte Paula Ramos.
O cotidiano realista descrito nos poemas de Adélia Prado, de forma delicada, serviu de inspiração para Dinorá quando esta começou, em 2000, a produzir obras com tapeçaria de recorte (trabalho com base de tecidos e panos com retalhos, presos com ponto de bordado). As características dos poemas são visivelmente identificadas nas peças: a delicadeza, a atenção, o cuidado e toda a prática no manuseio com as agulhas e linhas. "Adélia enxerga a grandeza da criação. Sinto que ela vê as coisas de forma muito significativa. O simples dia a dia, para ela, tem um grande valor", explica a artista.
Cada poesia é marcada por temas como erotismo, crenças, rotinas ou, simplesmente, sobre a rotina feminina - como ser mulher, esposa e filha. Fugindo do tema romanceado, pequenos acontecimentos do cotidiano foram narrados de forma que os tornavam espetaculares aos olhos da escritora. Foi esse o ponto de partida de Dinorá para a produção do material, que utilizou como guia sua interpretação pessoal.
Os tecidos e texturas foram escolhidos conforme as histórias mencionadas nos poemas. Em Viação São Cristóvão, Adélia conta uma viagem de ônibus pelo interior de Minas Gerais, e sobre o que ela viu, através da janela do veículo. Os tons de verde - por causa das árvores e grama - e os de marrom - lembrando montanhas, morros e estradas de terra - foram os eleitos pela artista.
Sentimentos de amor e carinho são abordados por Adélia. Na poesia Ensinamento, sua mãe lhe diz que o que há de mais importante é a educação. Porém, ao descrever os hábitos da mãe dentro de casa, ela chega à conclusão de que é o amor o mais importante. Esta história influenciou Dinorá a apostar em tecidos de renda, com transparência, pela sua expressão delicada, na obra que leva o mesmo nome. As singelezas da vida diária de Adélia foram transcritas por tecidos: dia a dia com algodão. Texturas rústicas para o simples, o natural.
De acordo com Maria Rita Webster, o recorte revela toda a sensibilidade da artista, das obras e dos poemas da escritora: "Dinorá percebeu tudo que existe nas realizações de Adélia. Depois de ver o que ela produziu, eu passei a interpretar as poesias de maneira diferente".
Um dos objetivos da exposição é traduzir para o público os textos por meio de retalhos e bordados. "Quero dividir com as pessoas as palavras dela, e também sensibilizá-las", afirma a artista.