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Cinema

- Publicada em 14 de Janeiro de 2016 às 22:31

A diligência e a estalagem

Hélio Nascimento
Desde que realizou Cães de aluguel, seu primeiro filme, Quentin Tarantino vem manipulando a narrativa tradicional de forma a afastá-la das convenções impostas pelas leis dos grandes estúdios. Nesse sentido, não há dúvida alguma, ele se inclui no grupo dos que, mesmo trabalhando num ambiente voltado para a produção padronizada, enriqueceram o cinema, descobrindo caminhos e explorando novos espaços. E por vezes ele olha para o passado, a fim de transformá-lo em ferramenta valiosa para seu trabalho. No caso de Os oito odiados, mais um grande título em sua filmografia, a ousadia se manifestou antes da obra ser realizada. Numa época em que o digital, o DCP, chegou às grandes telas, com resultados notáveis, algo que o espectador de cinema já percebeu na qualidade de som e imagem, Tarantino resolveu realizar seu filme em película e não em película comum. Voltou no tempo e exigiu os recursos proporcionados pelos 70 mm, um processo utilizado na segunda metade do século passado em muitos filmes e que na época era o melhor que o cinema, no que se refere à projeção, já tinha alcançado. É que o espaço focalizado pela câmera de filmar era o dobro do permitido pelo tradicional 35 mm. Era, portanto, um processo ideal para filmes como 2001: uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick, e El Cid, de Anthony Mann. Mas como a quase totalidade das casas exibidoras já não contam com os projetores tradicionais, o filme está sendo exibido em DCP, que, em muitos aspectos, supera o 70 mm. E como o novo filme de Tarantino transcorre, quase todo ele numa estalagem, a exigência de um processo apropriado para grandes espaços é a primeira provocação.
Desde que realizou Cães de aluguel, seu primeiro filme, Quentin Tarantino vem manipulando a narrativa tradicional de forma a afastá-la das convenções impostas pelas leis dos grandes estúdios. Nesse sentido, não há dúvida alguma, ele se inclui no grupo dos que, mesmo trabalhando num ambiente voltado para a produção padronizada, enriqueceram o cinema, descobrindo caminhos e explorando novos espaços. E por vezes ele olha para o passado, a fim de transformá-lo em ferramenta valiosa para seu trabalho. No caso de Os oito odiados, mais um grande título em sua filmografia, a ousadia se manifestou antes da obra ser realizada. Numa época em que o digital, o DCP, chegou às grandes telas, com resultados notáveis, algo que o espectador de cinema já percebeu na qualidade de som e imagem, Tarantino resolveu realizar seu filme em película e não em película comum. Voltou no tempo e exigiu os recursos proporcionados pelos 70 mm, um processo utilizado na segunda metade do século passado em muitos filmes e que na época era o melhor que o cinema, no que se refere à projeção, já tinha alcançado. É que o espaço focalizado pela câmera de filmar era o dobro do permitido pelo tradicional 35 mm. Era, portanto, um processo ideal para filmes como 2001: uma odisseia no espaço, de Stanley Kubrick, e El Cid, de Anthony Mann. Mas como a quase totalidade das casas exibidoras já não contam com os projetores tradicionais, o filme está sendo exibido em DCP, que, em muitos aspectos, supera o 70 mm. E como o novo filme de Tarantino transcorre, quase todo ele numa estalagem, a exigência de um processo apropriado para grandes espaços é a primeira provocação.
O filme começa, por um sinal, com um primeiro plano. No meio de uma paisagem de neve, a estátua pela qual ao filme se refere ao sofrimento fundador de uma civilização, vai aos poucos cedendo espaço e imagem para a grande amplidão, na qual a diligência tenta escapar de uma tempestade que se aproxima. Como no clássico de John Ford, há um personagem na estrada, mas Tarantino, depois, faz entrar em cena mais um. Este prólogo, na verdade um primeiro ato de uma peça dividido em dois - o segundo bem mais extenso- mesmo com ação num grande cenário natural privilegia o rosto humano. E já neste trecho, quase todo transcorrido no interior da diligência, aparece a grande habilidade do diretor: esta capacidade de fazer de cada frase, de cada pergunta, de cada resposta, algo que parece ser o início de um conflito e de um ato de violência, o que termina acontecendo, quase sempre contendo o elemento surpresa. E quando o grupo chega à estalagem e novos personagens entram em cena, está montado o cenário para o restante desta peça cinematográfica, que ao mesmo tempo que faz referências a gêneros populares não deixa de prestar homenagens a clássicos, entre eles o cinema de Joseph L. Mankiewicz, o cineasta que descobriu que a palavra não era inimiga do cinema, e ao próprio teatro, pelo qual Tarantino parece ter grande interesse.
O cinema de Tarantino é voltado para a revelação da agressividade oculta pela civilização. Em todos os seus filmes a violência contida pelas leis e disfarçada pelo uso da palavra termina se livrando de tais correntes e se impõe, pondo fim ao diálogo. Em Os oito odiados, assim como em O resgate do soldado Ryan, de Steven Spielberg, há uma carta de Lincoln. As palavras do presidente encerram o filme, mas são acompanhadas por uma imagem que desfaz o humanismo nelas contido. É uma forma de o realizador expressar uma crítica a um mundo dilacerado pelo ódio e pelo amargor. A cena em que o major se aproxima do general sulista e com ele trava um diálogo aparentemente civilizado vai aos poucos se transformando num ritual de agressividade e que sendo, em certo sentido, uma paródia do duelo tradicional do western, termina de forma a colocar em cena de forma brutal a agressividade até então contida. O novo filme de Tarantino, na medida em que retira um gênero clássico de seu espaço natural, algo que Henry Hathaway também já havia feito em Correio do inferno, utiliza o cinema para revelar as entranhas de um mundo tumultuado e desumanizado.
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