Ricardo Gruner
Grande favorito ao Oscar de melhor filme estrangeiro, Filho de Saul entra em cartaz na Capital gaúcha na quinta-feira e com uma trajetória já vitoriosa. A produção, de origem húngara, levou o Globo de Ouro na mesma categoria e ainda foi condecorada no Festival de Cannes do ano passado.
Na cidade francesa, a pesada história de um judeu em Auschwitz recebeu o Grande Prêmio do Júri e o destaque da Federação Internacional de Críticos de Cinema, entre outras honras. A badalação é justificada: a narrativa, dirigida por László Nemes, apresenta uma jornada extremamente pessoal, mas destaca tudo que houve de mais revoltante no nazismo sem deixar de salientar a compaixão como uma esperança.
O enredo é simples e indigesto. Saul (papel do poeta Géza Röhrig, excelente) é um dos prisioneiros locais forçados a integrar o Sonderkommando - grupo formado por presos judeus que foram isolados e obrigados a auxiliar os nazistas. Entre as tarefas que o protagonista e seus colegas cumprem estão atividades ligadas às estruturas e mecanismos utilizados pelos soldados para extermínio.
Um dia, enquanto trabalha em um dos crematórios, o personagem se depara com um menino no leito de morte. A partir daí, encara o cadáver como se fosse o corpo de um filho seu e parte em uma jornada para promover a ele um enterro digno - com a presença de um rabino para recitar o Kadish.
Os bastidores do filme envolvem uma observação pessoal do diretor, que, em suas próprias palavras, "sempre achou longas-metragens sobre os campos de concentração frustrantes". Na sua visão, os produtores frequentemente buscam construir histórias de sobrevivência e heroísmo, mas recriam uma concepção mítica do passado. Como resposta, o cineasta optou por uma narrativa tão específica em forma quanto em conteúdo.
O desconforto do espectador em relação ao tema ganha acréscimo devido a uma série de opções técnicas presentes em todo o longa-metragem. A câmera posiciona-se atrás de Saul, na altura de seus ombros, e as andanças do protagonista são vistas em uma razão de aspecto que não privilegia a horizontalidade.
Como resultado, o espectador se vê como um colega do homem, percorrendo junto com ele os corredores do inferno e sentindo suas limitações. Através de planos fechados, a claustrofobia se mistura com o medo do que ou de quem pode estar ao seu lado. E, apesar do objetivo de Saul ser claro, o ambiente de Auschwitz torna sua saga imprevisível.
Ao propor essa abordagem sobre um personagem único, László Nemes não se debruça sobre outras questões morais - embora elas apareçam dentro do contexto destacado. Nesse sentido, Filho de Saul até esboça um diálogo com outro filme do Leste europeu que concorreu ao Oscar: o austríaco Os falsários (2007) - o qual também foca em judeus que tiveram de cooperar com o nazismo em um campo de concentração.
No longa-metragem húngaro, entretanto, quase não aparecem discussões explícitas - apenas fatos iminentes ou em pleno acontecimento. Como o personagem-título está quase 100% dedicado à sua missão, as ideias de seus companheiros de prisão surgem através de decisões ao invés de reflexões.
Escrito pelo cineasta ao lado de Clara Royer, o roteiro não perde força por abordar uma jornada pessoal. Com o reforço de uma série de planos-sequências, o enredo se torna uma experiência cinematográfica eficiente e perturbadora. Em algumas passagens, pilhas de corpos e assassinatos são vistos rapidamente como pano de fundo, em uma denúncia do quão corriqueira era a violência naquela realidade. Por outro lado, a luta de Saul, que arrisca a sua vida por um menino já falecido, denota a nobreza da luta por dignidade.
Na temporada de prêmios, o longa-metragem concorre também a um destaque do Directors Guild of America - na categoria de melhor diretor estreante, disputada também pelo brasileiro Fernando Coimbra (responsável por O lobo atrás da porta). Os vencedores serão anunciados no dia 6 de fevereiro.