Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Responsabilidade social

- Publicada em 20 de Janeiro de 2016 às 19:17

Trabalhadores humanitários em perigo

Paquistão teve três vezes mais mortos que o vizinho Afeganistão

Paquistão teve três vezes mais mortos que o vizinho Afeganistão


SAJJAD HUSSAIN/AFP/JC
Eles são a última esperança de assistência médica ou de provisão de alimentos, água e itens básicos para milhões de pessoas em zonas conflagradas. Porém, estão sendo impedidos de cumprir esta missão - os últimos anos foram os mais violentos para trabalhadores humanitários, com a maior quantidade de mortos, feridos e sequestrados. Os motivos: além do agravamento dos quase cinco anos de guerra civil na Síria e uma escalada do conflito no Afeganistão, em 2013, a dinâmica dos ataques por todos os lados envolvidos foi alterada. Segundo lideranças de algumas das principais organizações de socorro do mundo, áreas civis têm sido alvejadas indiscriminadamente.
Eles são a última esperança de assistência médica ou de provisão de alimentos, água e itens básicos para milhões de pessoas em zonas conflagradas. Porém, estão sendo impedidos de cumprir esta missão - os últimos anos foram os mais violentos para trabalhadores humanitários, com a maior quantidade de mortos, feridos e sequestrados. Os motivos: além do agravamento dos quase cinco anos de guerra civil na Síria e uma escalada do conflito no Afeganistão, em 2013, a dinâmica dos ataques por todos os lados envolvidos foi alterada. Segundo lideranças de algumas das principais organizações de socorro do mundo, áreas civis têm sido alvejadas indiscriminadamente.
De acordo com a Aid Worker Security Database (AWSD, ou Base de Dados da Segurança do Trabalhador Humanitário), uma das principais fontes utilizadas pela ONU, por governos, ONGs e jornais, os anos de 2013 e 2014 foram os mais brutais: a série começa em 1997. A AWSD revela que houve mais mortes de funcionários de assistência apenas no biênio 2013/2014 - 276 ao todo - do que de 1997 a 2002, quando, num período de seis anos, morreram 229 trabalhadores humanitários.
A situação piora em relação aos feridos: 266 em 2013/2014, contra 197 ao longo dos primeiros oito anos da série; e fica mais grave sobre sequestros: 261 casos em 2013/2014, contra 197 nos nove primeiros anos. Todos os tipos de ataques - tiros, explosões, agressão corporal e raptos - aumentaram nos últimos três anos do levantamento em comparação com a primeira década pesquisada. Diretores de organizações observam que, ao mesmo tempo, houve um aumento constante na assistência. Mas, segundo o AWSD, a partir de 2007, o número de vítimas praticamente dobra em relação aos anos anteriores, com picos registrados em 2013 e 2014. "No Iêmen, alvos civis estão sendo bombardeados: não que seja deliberado, mas são ataques muito intensos", afirma o diretor da Oxfam no Reino Unido, Mark Goldring, que lidera o trabalho humanitário mundial da organização.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, apenas no Iêmen, a escalada do conflito já provocou a destruição total ou parcial de cerca de 40 hospitais e 10 policlínicas. Goldring explica que, em 2015, o objetivo da Oxfam era assistir um milhão de pessoas no país: conseguiram alcançar cerca de 400 mil. "Você pode até pensar que foram muitos atendimentos, mas 600 mil ficaram desprovidos", enfatiza. "É um dos piores momentos para trabalhadores humanitários. Hoje, há mais lugares onde não se consegue chegar", lamenta.
Com 454 ataques no total, segundo a AWSD, o Afeganistão é o lugar mais perigoso para o trabalho humanitário, seguido de Sudão (236) e Somália (216). O levantamento faz ainda uma perversa constatação: antes da guerra civil, de 1997 a 2010, a Síria jamais registrou qualquer incidente com funcionários de assistência. Desde 2011, quando o conflito estourou, o país já conta 92 ataques e ocupa, agora, o quinto lugar entre os mais truculentos para os trabalhadores.
Diretores das organizações são unânimes em dizer que a Convenção de Genebra e o Direito Internacional, que buscam mitigar incidentes com civis, estão sendo desrespeitados. "Onde antes éramos vistos como imparciais e neutros, agora somos considerados alvos 'legítimos'", enfatiza o diretor internacional de ajuda humanitária ActionAid, Richard Miller, que relata a perda de sete colegas, todos no Afeganistão. Ele explica que, em Afeganistão, Síria e Sudão do Sul, a ajuda é impedida de chegar. O médico Paulo Reis, 44, integrante da Médicos Sem Fronteiras, voltou há dois meses do Iêmen.
Com 11 anos de trabalho em campo, conta que um dos momentos mais complicados foi um bombardeio contra um banco na cidade de Laskarka, no Afeganistão, na rota que a equipe dele usava. "Funcionários nacionais ficaram feridos sem gravidade. Foi pouco depois do horário em que costumávamos passar", lembra. "Em geral, os alvos não são civis, mas se os objetivos militares estão numa área civil, tudo é bombardeado. Isso é o pior, pois atinge crianças e mulheres, que nada têm a ver com o conflito."

É preciso proteção e salvaguarda de acessos

Paquistão teve três vezes mais mortos que o vizinho Afeganistão

Paquistão teve três vezes mais mortos que o vizinho Afeganistão


SAJJAD HUSSAIN/AFP/JC
A presidente da MSF, Joanne Liu, diz que a prioridade dos trabalhadores humanitários hoje é a certeza de que populações civis tenham acesso a cuidados de saúde em áreas de guerra.
Dezenas de hospitais foram bombardeados em Síria, Iêmen e Afeganistão. Não há mais distinção entre alvos civis e militares?
Joanne Liu - Na Síria, em março, completam-se cinco anos da guerra, com indiscriminados e frequentes bombardeios sobre instalações civis. Na Síria e Iêmen, há um cenário de guerra total, onde tudo é alvejado, como mercados, hospitais e até casamentos.
As organizações humanitárias se tornaram alvos em potencial?
Joanne - Parece haver um número crescente de conflitos onde hospitais estão sob ataque. Não são especificamente alvos, mas parte de uma dinâmica de guerra total, em que se ataca tudo o que há pela frente, e parece haver uma espécie de aceitação. É a minha maior preocupação: que isso se torne o novo normal, como na Síria, Iêmen e Sudão do Sul. Parece ser a normalidade ter civis sob ataque. Existem regras para a guerra, que estão ancoradas na Convenção de Genebra.
Como permitir que trabalhadores humanitários sigam atuando em zonas de conflito?
Joanne - É preciso uma reafirmação geral da proteção e salvaguardas de acesso a cuidados médicos em zonas de guerra. Não vamos ter de volta a vida dos nossos colegas, dos nossos pacientes. Eles se foram, e nós estamos de luto. O que queremos é a certeza de que populações civis tenham acesso a cuidados de saúde em áreas de guerra.

Refugiados também vivem onda de violência

Mesmo quem busca refúgio longe das zonas de conflito está sujeito a ondas de violência. Uma das mais recentes aconteceu na noite de ano-novo em Colônia e em outras cidades da Alemanha, o que desencadeou um debate em todo o país sobre a integração dos refugiados, sobretudo daqueles vindos de países árabes onde há discriminação contra as mulheres. Algumas nações da Europa chegaram a iniciar programas de ensino aos recém-chegados sobre as regras de tratamento ao sexo oposto.
Bassam Saadeh, libanês de 21 anos que chegou a Berlim no ano passado, diz que o "excesso de liberalismo" que predomina na Europa faz com que muitos homens jovens e solteiros fiquem "confusos". "Acostumados a ver as mulheres cobertas da cabeça aos pés, os jovens árabes sofrem um choque cultural quando chegam à Alemanha, onde as mulheres podem até mesmo a se despir para se bronzear em lugares públicos", diz o libanês.
Segundo o cientista político egípcio Samad Abdel Samad, a violência contra as mulheres ocorre nos próprios países árabes, onde o extremismo religioso, inclusive depois da chamada "primavera árabe", parece ter levado a um aumento na violência contra a mulher. Autor do livro "Der Untergang der Islamischen Welt" (A decadência do mundo islâmico, em tradução livre), Samad diz que já presenciou, no Egito e em Marrocos, cenas de assédio sexual coletivo ainda piores do que os acontecimentos do réveillon na Praça da Catedral de Colônia.
Cerca de 95% das mulheres egípcias já foram vítimas pelo menos uma vez de assédio ou de algum tipo de violência sexual, e 46% são alvos frequentes. De acordo com Samad, esses números podem estar aumentando, sobretudo por causa da religião. Uma situação diferente daquela de décadas atrás, quando países como o Egito, a Síria ou o Iraque experimentaram processos de modernização, com as mulheres entrando na universidade e na competição por uma vaga no mercado de trabalho.
"Há 40 anos, era rara a egípcia que cobria a cabeça com um véu. A sociedade já era machista, mas os casos de abuso eram poucos. Hoje, quase todas as mulheres andam inteiramente cobertas e, por incrível que pareça, há mais casos de violência sexual", lembra Samad. A avenida Sonnenallee, no bairro berlinense de Neukölln, é como um microcosmo da discriminação. Sem ter o que fazer, os jovens começam a frequentar os vários cafés ainda durante o horário comercial, por volta das duas da tarde. A maioria da clientela é muçulmana, sobretudo árabes, e todos são homens. As mulheres são vistas nas ruas, caminhando três passos atrás do parceiro, ou sozinhas, transportando sacolas de supermercados ou empurrando carrinhos de bebês.
Hakim Skeif, palestino nascido no Líbano há 23 anos, lembra que esse ócio forçado pode ser também um dos motivos do desequilíbrio dos jovens que desencadearam a onda de violência em Colônia no ano-novo.
- Trabalhar demais não é bom, mas ficar sem fazer nada o dia inteiro por falta do direito de trabalhar é muito pior - diz Hakim.
Apesar da promessa de velocidade no processo de asilo político, o tempo de espera por uma decisão é longo. Só depois da conclusão do processo, o refugiado tem o direito de trabalhar. Para Fadilah Taufik, síria de 35 anos, muitos países árabes têm a opressão da mulher como lei. "Veja a Arábia Saudita, um país que tem excelentes relações com o Ocidente, onde a mulher está ainda longe de conseguir a igualdade de direitos", diz ela, que é apoiada em sua opinião pelo marido, Kalil Taufik, de 40 anos. Para ele, o mundo islâmico sofre não somente com a desigualdade de gêneros. "Quase todos os países estão em crise, o terrorismo é uma ameaça. Temos muitos problemas exatamente por causa das forças que lutam contra a modernização do mundo árabe."
A tese do casal de sírios é compartilhada pelo cientista político Guido Steinberg, da Fundação de Ciências Políticas de Berlim. Segundo ele, os últimos ataques sexuais contra mulheres na Europa partiram principalmente de homens que vieram dos países mais afetados pela crise econômica e por conflitos armados.