Surgido há uma década, rádio da era digital vive um momento de plena expansão. Já tem gente, inclusive, vivendo apenas disso

Cresce o consumo e a produção de podcasts no Brasil


Surgido há uma década, rádio da era digital vive um momento de plena expansão. Já tem gente, inclusive, vivendo apenas disso

Em 1999, Hae Min Lee, uma estudante do Ensino Médio de 17 anos, foi encontrada morta em um decadente parque de Baltimore, nos Estados Unidos. Seu ex-namorado, Adnan Syed, também de 17, foi julgado e condenado à prisão perpétua pelo crime. A base da acusação foi o depoimento de um homem que diz ter ajudado a enterrar o corpo da jovem.
Em 1999, Hae Min Lee, uma estudante do Ensino Médio de 17 anos, foi encontrada morta em um decadente parque de Baltimore, nos Estados Unidos. Seu ex-namorado, Adnan Syed, também de 17, foi julgado e condenado à prisão perpétua pelo crime. A base da acusação foi o depoimento de um homem que diz ter ajudado a enterrar o corpo da jovem.
Só que, em 2014, o caso voltou à tona. Uma amiga de Syed, que sempre acreditou na inocência do rapaz, escreveu à jornalista americana Sarah Koenig pedindo para que o caso fosse revisto na mídia. Sarah conduzia o This American Life, famoso programa do rádio americano. A jornalista não só aceitou a sugestão como criou um podcast exclusivo para reconstituir o crime.
Serial, como a novidade foi chamada, acabou virando febre no mundo inteiro. O áudio conta com mais de 100 milhões de downloads. Aqui no Brasil, chegou a ser o quinto mais ouvido no iTunes. Serial definitivamente catapultou os podcasts a um novo patamar de consumo de massa. E, agora, os produtores estão querendo monetizá-los.
Podcast, que se explique, é um arquivo de áudio distribuído pela internet através de um feed para dispositivos móveis e computadores. É tipo um programa de rádio disponível para download ou streaming na internet.
O modelo surgiu nos Estados Unidos, no meio dos anos 2000, por sugestão de um VJ da MTV americana. O objetivo era permitir que o ouvinte customizasse o seu rádio, ouvindo os programas na hora que quisesse - uma carona na popularização dos iPods e aparelhos de MP3, que facilitava fazer o mesmo com as músicas preferidas.
De lá para cá, os podcasts cresceram - e muito. Nos Estados Unidos, uma pesquisa recente mostrou que um em cada três americanos escuta os áudios. Só no iTunes, que reúne programas do mundo inteiro, são 250 mil opções. No Brasil, estima-se que haja bem menos que isso: cerca de 1,5 mil.
Como todo modelo de mídia digital, a principal dificuldade ainda é a rentabilidade. "Existem muitos produtores, mas poucos são os que ganham dinheiro", diz o professor de rádio da Faculdade de Comunicação Social da Pucrs, Tércio Saccol.
É que, na origem da plataforma, desfazia-se a visão do capital financeiro, buscando basicamente a geração de capital social - o ganho de reputação. "Só que não se sobrevive no capitalismo desse jeito", acrescenta o professor.
Embora a massiva maioria mantenha o podcast por hobby, alguns produtores já engatinham formas de viabilizar o negócio.
O Papricast, podcast de cultura nerd feito em Porto Alegre, recorreu ao spot publicitário - recentemente passou a divulgar os serviços de uma pousada. O teológico BTCast, além do patrocínio, apostou no serviço de assinatura regular. O Nerdcast, maior referência em podcast do Brasil, utiliza os dois modelos - e ainda vende produtos pela internet (leia mais sobre a rentabilidade desses e outros podcasts abaixo).
Se não der dinheiro, então que agregue valor. Por causa de Serial - e sua capacidade de impactar milhares de pessoas (o caso inclusive foi reaberto na justiça norte-americana) -, amadores, aprendizes e até empresas tradicionais têm apostado no modelo como uma nova forma de investimento em marketing.
O conglomerado General Electric, por exemplo, está produzindo uma série de ficção científica em podcast - na tentativa de se destacar junto ao público mais jovem e conectado. Veículos de comunicação tradicionais, como a revista The New Yorker e o jornal The New York Times (NYT), também produzem conteúdos no formato.
O GeraçãoE, inclusive, já recebeu materiais de assessoria de imprensa em áudio.
Nos Estados Unidos, onde tudo começou, a participação dos podcasts na programação ouvida pelo público cresceu 18% entre 2014 e 2015, de acordo com a Edison Research. São 21,1 milhões de horas de podcasts ouvidas diariamente.
O colunista de tecnologia Farhad Manjoo, entretanto, é mais cauteloso com o fenômeno. Para ele, o formato ainda é uma "tartaruga digital", pois cresce lentamente. "E há outros problemas, incluindo a escassez de produtores de áudio e a impossibilidade de contabilizar os ouvintes com precisão", escreveu ele no The New York Times.
Tércio Saccol, da Pucrs, também reconhece as incógnitas. "O podcast é uma onda que veio para ficar", diz ele. "Resta saber por quanto tempo."
Se liga na dica >> No Facebook, há um grupo fechado, o "PodcastersBR", uma grande comunidade de ouvintes e produtores de conteúdo, que postam episódios novos e debatem sobre divulgação, servidores e equipamentos. Muito engajados, eles discutem tópicos como qual o melhor programa de edição, onde encontrar trilhas e efeitos sonoros gratuitos, qual o melhor headset, etc. #confira

 

SINTONIA COM O OUVINTE

Com o consumo de podcasts em ascensão, é cada vez maior o número de podcasters, como seus produtores são chamados, que conseguem monetizar o serviço. Claro: alguns mais, outros menos. Mas tem quem até consiga se dedicar exclusivamente ao ofício. A seguir, o GeraçãoE indica alguns podcasts brasileiros e gringos para você escutar – e mostra como fazem para se sustentar. 

Voz de Delirium

O podcast narra as histórias sobrenaturais de Delirium, uma cidade fictícia criada pelos publicitários André Sevante e Lucas Kircher, de Porto Alegre. "Começamos de forma despretensiosa, apenas para exercitar a escrita criativa", explica Sevante. A primeira temporada, lançada em março, tem 30 episódios. Para bancar a próxima, os dois pensam em fazer um financiamento coletivo e querem lançar produtos da marca. Tanto que, no início do mês, eles disponibilizaram para venda o e-book da primeira saga.

Papricast

O programa, produzido em Porto Alegre, reúne quatro amigos semanalmente para falar sobre cultura pop e nerd - cinema, séries, quadrinhos, música, livros. O podcast existe desde 2011 e tem de 20 mil a 30 mil ouvintes por programa. Com os anúncios publicitários, o grupo fatura R$ 2 mil por mês. O Patreon, um serviço de assinatura utilizado entre os podcasters, acrescenta mais US$ 1,5 mil. "Por enquanto, não dá para vivermos somente disso", explica Marton Santos, um dos idealizadores. "Mas acho que, em breve, vai dar. Anunciantes já estão percebendo a importância."

Man in the Arena

Ancorado por três empreendedores brasileiros, o podcast aborda empreendedorismo e cultura digital. O trio recebe um convidado por episódio: desde membros de conhecidas startups até investidores famosos. Além das entrevistas, o programa recomenda livros e conselhos de gestão para os empreendedores.
 

Radio Ambulante

A Radio Ambulante é um podcast (em espanhol e inglês) de histórias reais ocorridas na América Latina. "Trabalhamos com uma talentosa comunidade de cronistas de rádio em diferentes partes do continente", explica a editora Camila Segura, de Nova Iorque. Em 2014, o coletivo ganhou o prêmio Gabriel García Márquez de Jornalismo na categoria Inovação. Com um projeto no Kickstarter, conseguiu arrecadar US$ 46 mil - o que garantiu sua sustentabilidade, também mantida com contribuições de ouvintes e outros doadores.

Nerdcast

É a maior das referências. Com 10 anos de atuação, foi o único podcast brasileiro a atingir a marca dos milhões de ouvintes. Segundo seus criadores, foram mais de 3 milhões de downloads em um único episódio deste ano. Pertencente ao site Jovem Nerd, de Curitiba, o podcast ganha dinheiro com uma lojinha virtual e a produção de programas patrocinados - como a sátira Casa do Baralho, paga pelo Netflix para promover a série House of Cards.
 

RapaduraCast

Sob a tutela do cearense Jurandir Filho, o podcast comenta as novidades do cinema todas as semanas. A média de ouvintes fica em torno de 150 mil por programa. E é o próprio produtor que corre atrás dos patrocinadores - desde distribuidora de filmes a bancos públicos. Dependendo da proposta, um podcast pode custar até R$ 30 mil ao anunciante.
 

BTCast

Rodrigo de Aquino completa, em 2016, cinco anos à frente do BTCast, podcast produzido em Joinville, Santa Catarina, que aborda temáticas teológicas e se sustenta de diversas formas. Uma delas é a assinatura. Um mantenedor disse recentemente a Bibo, como é conhecido, que se têm pessoas que pagam pelo conteúdo do Spotfify e da Netflix, também pode haver gente investindo em podcast. Ele também possui uma loja on-line onde vende os livros indicados no podcast.

StartUp

Empreendedores também vão se identificar com o StartUp. O programa (em inglês) é uma espécie de reality show de seu produtor, Alex Blumberg. A atração conta, em detalhes, como Blumberg fez para começar um negócio próprio - sem conhecer nada de empreendedorismo.
 

Você sabia?

>> O formato mais tradicional dos programas de podcats ainda é o bate-papo, naquele estilo mesa de debate. De uns anos para cá, a produção ficou mais elaborada. O jornalismo dramático de Serial (que hoje lançou sua segunda temporada) é a prova disso. É possível hospedá-los em sites como iTunes, SoundCloud, TuneIn, Stitcher e iHeartRadio. No Brasil, plataformas específicas, como Youtuner e Teiacast, também são utilizadas.