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Entrevista especial

- Publicada em 29 de Novembro de 2015 às 21:50

Estado perde R$ 7 bilhões ao ano por não fiscalizar, diz de Martini

 ENTREVISTA ESPECIAL DA POLÍTICA com o presidente do Sindicato dos Técnicos Tributários (Afocefe), Carlos de Martini Duarte.

ENTREVISTA ESPECIAL DA POLÍTICA com o presidente do Sindicato dos Técnicos Tributários (Afocefe), Carlos de Martini Duarte.


MARCO QUINTANA/JC
O sistema tributário gaúcho “arrecada muito menos do que poderia”, perdendo em sonegação cerca de R$ 7 bilhões ao ano, projeta o presidente do Sindicato dos Técnicos Tributários do Rio Grande do Sul (Afocefe), Carlos de Martini Duarte. Por isso, Duarte é categórico ao afirmar: “A crise é de receita.”
O sistema tributário gaúcho “arrecada muito menos do que poderia”, perdendo em sonegação cerca de R$ 7 bilhões ao ano, projeta o presidente do Sindicato dos Técnicos Tributários do Rio Grande do Sul (Afocefe), Carlos de Martini Duarte. Por isso, Duarte é categórico ao afirmar: “A crise é de receita.”
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o presidente da Afocefe explica que a baixa arrecadação se deve à falta de fiscalização ostensiva, com equipes vistoriando as empresas presencialmente, postos fiscais bem equipados para fiscalizar, por exemplo, o peso das cargas transportadas por caminhões nas rodovias gaúchas.
A ausência de equipes nas ruas, fiscalizando in loco, diminui a percepção de risco das empresas sonegadoras. Ou seja, diminui a perspectiva de serem punidas caso deixem de pagar seus impostos. Além disso, Duarte criticou ainda o Programa de Quitação e Parcelamento de Débitos (Refiz).
“Hoje é um bom negócio dever (impostos) para o Estado. Primeiro, porque praticamente não existe fiscalização. Segundo, porque o empresário devedor pode esperar o Refiz para pagar sua dívida com descontos”, complementou.
O presidente da Afocefe disse ainda que o aumento de 1% na alíquota básica no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – proposto pelo Executivo e aprovado pela Assembleia Legislativa em setembro — era dispensável, como aconteceu no Ceará, onde se triplicou a arrecadação diminuindo impostos. Ele também chamou a atenção para o risco de crescimento da sonegação diante do aumento do ICMS.
Jornal do Comércio – Qual a avaliação do governo José Ivo Sartori, do ponto de vista da política fazendária?
Duarte – Na verdade, todos os governos, quando assumem, super-dimensionam as dificuldades e despesas, ao mesmo tempo que tem um olhar muito tímido em relação à receita. Isso ajuda a enaltecer seus feitos ao longo da gestão. Quando se fala na crise financeira do Estado, sempre se coloca a dívida com a União, a Lei Kandir, o ressarcimento das exportações, os produtos semi-elaborados que hoje são isentos como os principais problemas. Sempre defendemos que a isenção dos produtos semi-elaborados era um verdadeiro crime contra as finanças e a economia do Estado. A mesma coisa com a Lei Kandir. Claro que todas essas questões não podem ser ignoradas, são importantes. Mas temos por hábito aqui no Rio Grande do Sul achar que as dificuldades são decorrentes do outro e, assim, não olhamos para as nossas dificuldades. Nós, aqui da Afocefe, defendemos que as dificuldades financeiras e econômicas advém de erros nossos. A nossa crise é de receita.
JC – O Estado poderia arrecadar mais?
Duartei – Com certeza. Entendemos que o Estado arrecada muito menos do que poderia e deveria. Nos últimos sete anos, em um ranking de arrecadação de ICMS, o Rio Grande do Sul aparece em 20º lugar entre os 27 estados brasileiros. Como é que estamos tão mal, considerando, por exemplo, que estamos na quarta supersafra de grãos? Neste ano, só a safra de soja, jogou na economia gaúcha, R$ 43 bilhões de reais, num momento de supervalorização dos grãos no mercado internacional. Alguém poderia contestar que a soja de exportação é isenta. Mas, de qualquer forma, desencadeia um ciclo virtuoso na economia. Segundo o sonegômetro dos técnicos da Fazenda Nacional, a sonegação anual no Rio Grande do Sul chega a R$ 7 bilhões, só em ICMS. Valor maior que o déficit inicial divulgado pela Sefaz para o ano de 2015 – de R$ 5,4 bilhões.
JC – Como enxerga o trabalho da Sefaz? Por que chegamos à 20ª posição nesse ranking?
Duarte – Para responder, podemos fazer uma metáfora com a segurança pública. A Brigada Militar transita pelas ruas, não para prender ladrões e homicidas, mas para não permitir que ocorra roubos e homicídios. Já a polícia judiciária, a Polícia Civil, é acionada depois que os crimes já aconteceram; é trabalho dela levar à Justiça os ladrões e homicidas. Na Sefaz, também temos duas linhas de atuação: a da fiscalização ostensiva para prevenir que as empresas soneguem impostos; e a fiscalização judiciária que vai atrás dos devedores do Estado depois que eles já sonegaram. Aqui no Rio Grande do Sul, parece que só investimos na Fazenda judiciária.
JC – O secretário Giovani Feltes (PMDB) anunciou que a Fazenda espera recuperar, através das cobranças judiciais, R$ 1,2 bilhão em impostos sonegados...
Duarte - Fico satisfeito que a Fazenda tenha ido atrás dos sonegadores, somando um total de R$ 1,2 bilhão de reais em cobranças. Só que são créditos podres, que vão engrossar o que chamamos de dívida ativa das empresas, que, de acordo com o próprio secretário, chega a R$ 37 bilhões. Desse total, se estima que o Estado talvez consiga buscar R$ 8 bilhões. Ou seja, esse modelo, calcado na Fazenda judiciária, que vai atrás dos sonegadores depois que já sonegaram, gera dívida ativa. O paradoxo, nesse modelo, é que quanto mais a Fazenda fiscaliza, mais dívida ativa gera, seja porque nunca consegue recuperar o valor total devido, seja porque as cobranças judiciais levam muito tempo para saírem. Temos que ter um modelo que trabalhe com educação fiscal, que trabalhe com fiscalização ostensiva, indo às empresas para evitar que soneguem impostos, aumentando a percepção de risco.
JC – A percepção de risco no Rio grande do Sul é baixa?
Duarte – É 100% sem percepção de risco. Hoje é um bom negócio dever (impostos) para o Estado. Primeiro, porque praticamente não existe fiscalização. Segundo, porque o empresário devedor pode esperar o Refiz, que reduz até 40% dos juros cobrados pelo atraso e até 65% do valor das multas, para pagar sua dívida com descontos. Ou seja, além de as empresas não serem fiscalizadas, sabem que se atrasarem o recolhimento, o máximo que pode ocorrer é entrarem para o cadastro de devedores do Estado. Aí é só aguardar o parcelamento e a isenção de juros e multas do Refiz. É um negócio maravilhoso como capital de giro para empresas, em vez de fazer financiamento, dever para a Fazenda. Em Santa Catarina, por exemplo, não existe esse sistema de parcelamento e financiamento.
JC – Qual a relação entre percepção de risco e sonegação?
Duarte - Um trabalho acadêmico desenvolvido na USP (Universidade de São Paulo) aponta que, em 70% dos casos, o que leva as empresas a sonegarem é a falta da percepção de risco. Vou te dar um exemplo daqui do Rio Grande do Sul de como a percepção de risco faz a diferença. Há alguns meses atrás, quando o governo estava prestes a anunciar que a minha categoria teria salários atrasados porque o Estado não tinha onde buscar recursos, ouvi uma notícia no rádio que dizia que 764 mil veículos estavam inadimplentes no pagamento do IPVA. Aí, pedimos ao secretário da Fazenda que utilizasse as 20 turmas volantes para fazer uma operação para cobrar IPVA; e, ao mesmo tempo, fizesse um estardalhaço na mídia contra a inadimplência de IPVA. A operação foi feita em somente oito municípios, cerca de 5 mil veículos vistoriados, algumas notícias na imprensa. Sabe qual foi o resultado? Em 48 horas, 65 mil proprietários de carro colocaram o IPVA em dia, somando cerca de R$ 68 milhões. Por quê? Porque aumentou a percepção de risco, os motoristas ficaram com medo de serem abordados na rua, de terem os carros guinchados, de terem que arcar com despesas ainda maiores. Então, olha a importância da percepção de risco, de ter a Fazenda fiscalizando na rua.
JC – Uma das medidas que a Sefaz anunciou para aumentar a fiscalização é um programa de computador que vai permitir acompanhar o lançamento de notas fiscais eletrônicas, cruzar dados fiscais das empresas etc. Isso vai ajudar a aumentar a percepção de risco?
Duarte – Ao contrário do que se afirmou, de que teria sido gasto R$ 5 milhões com o novo sistema eletrônico, a Secretaria da Fazenda gastou nos últimos dois meses, somente em três empresas, R$ 41 milhões para instalar o big data e ares condicionados para resfriar a sala dos computadores (programa de computador que vai gerenciar as informações fiscais das empresas cadastradas no Estado). Qual o problema disso? É que temos um cadastro cheio de empresas fantasmas, e o Big Data é para contrapor as informações desse cadastro gost. Vou te dar um exemplo... Uma distribuidora de arroz estava cadastrada na Fazenda com endereço de Porto Alegre, no Morro da Cruz, bem próximo à Cruz. Uma distribuidora de arroz nesse local? Como uma carreta conseguiria subir aquelas ruelas? Mas, na verdade, tratava-se de uma empresa caçada de ofício, porque, em um período de seis meses, comercializou R$ 5 milhões. Como alguém recebe inscrição estadual de uma empresa sem sequer ir no local para conferir o endereço? Enquanto se investem milhões em um programa de computador que vai cruzar dados do cadastro da Fazenda, não tem pessoal para ir conferir o endereço que vai constar no próprio cadastro. Hoje temos inscrições de empresas em terrenos baldios, em cemitérios, etc.
JC – Qual seria a alternativa? Aumentar a fiscalização presencial?
Duarte – Baseado na avaliação de que a crise é de receita, apresentamos cinco alternativas. Primeiro, promover a fiscalização ostensiva, prévia, que educa, que eleva a percepção de risco, que demonstra que a Fazenda está preocupada com a sonegação, que os sonegadores sejam penalizados. O que que custa visitar as empresas para, no mínimo, ver se o endereço confere? Segundo, equipar os postos de fiscalização e as equipes volantes com tecnologia que otimizem o trabalho. Hoje os colegas das turmas volantes sequer têm celular, tem que ligar para a repartição com o telefone pessoal se quiserem conferir um registro. Os postos não tem balança para pesar os caminhões e carretas. No Rio Grande do Sul, por falta desse equipamento, no último ano, sete pontes caíram com caminhões em cima, por excesso de peso. Olha o prejuízo para as finanças do Estado e para a infraestrutura! E aqui no Estado temos fundos que poderiam custear a compra desses equipamentos, como Profisco e o Funsefaz. Terceiro, oferecer reforço logístico para as equipes de fiscalização, com o apoio da polícia Civil e da Brigada Militar, porque a sonegação é um crime que costuma estar acompanhado de outros delitos, como o roubo de cargas, por exemplo. Quarto, aumentar a equipe dos postos de fiscalização e das equipes volantes. Fazem 14 anos que não nomeiam nenhum técnico tributário. Tínhamos 16 postos fiscais, fecharam dez nos últimos 20 anos. Estamos com menos da metade das pessoas que já tivemos nos postos. Estamos fazendo romarias para nomearem 100 servidores. Quinto, o atendimento às exigências do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Ministério Público de Contas (MP de Contas), no que concerne à transparência dos atos da Sefaz. O procurador geral do MP, Geraldo Da Camino, cogita inclusive entrar com uma ação judicial exigindo maior transparência na Sefaz.
JC – A proposta de aumento do ICMS era dispensável?
Duarte – Sem dúvida. Podemos citar o exemplo do Ceará. Havia um setor na economia de lá que era importante, porque empregava muita gente: o setor de confecções, que arrecadava R$ 100 milhões ao mês. O secretário da Fazenda cearense, quando assumiu, sabia que havia uma forte sonegação no setor. Aí, disse que ia duplicar a arrecadação, aumentando a fiscalização. O setor esbravejou e reclamou da carga tributária. Então, o secretário fez um acordo com os empresários: reduzir os tributos, mas cobrar que pagassem os impostos em dia. O que aconteceu? A arrecadação aumentou de R$ 100 milhões para R$ 300 milhões. Creio que, no Rio Grande do Sul, podemos ter surpresas desagradáveis com o aumento do ICMS. Por exemplo, no setor de combustíveis, a exemplo do que aconteceu no governo Germano Rigotto (PMDB, 2003-2006). Naquela ocasião, se aumentou impostos e o Estado arrecadou menos que a média nacional no setor de combustíveis, sendo que o resto do país não havia elevado as alíquotas. A arrecadação no setor de combustíveis caiu de 25% para 15% na importância do ICMS. Por que a contribuição diminuiu se a frota cresceu 74%? Porque aumentou a sonegação e a adulteração. Temo que em muitos setores, aumentando a alíquota, vai aumentar a sonegação.

Perfil

Carlos de Martini Duarte, 54 anos, nasceu em Porto Alegre. Estudou no Colégio Pio XII, onde participava do grêmio estudantil, o que inclusive o levou à prisão em 1975, durante uma manifestação. Estudou Direito na PUCRS, onde foi vice-presidente do centro acadêmico. Nessa época, era filiado ao PDT, onde mais tarde chegou a ser presidente da juventude pedetista, trabalhando ativamente na primeira campanha a presidente de Leonel Brizola, em 1989. Embora tenha se formado na área jurídica em 1985, nunca exerceu a profissão, pois já era técnico tributário à época da formatura. Aliás, começou a trabalhar na Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz) na gestão do ex-governador Amaral de Souza (1979-1983), como estagiário. Mais tarde, depois de ser aprovado em um concurso, tornou-se servidor da Sefaz, onde trabalhou em diversos setores (central de compras, departamento de patrimônio, balcão de atendimento ao público, recursos humanos, etc) — até assumir o Sindicato dos Técnicos Tributários (Afocefe).