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Política

- Publicada em 08 de Novembro de 2015 às 22:03

Campanha sem doação empresarial muda de perfil, diz Santos

perfil (dar corte horizontal)

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MARCELO G. RIBEIRO/JC
Fernanda Nascimento
O advogado e especialista em Direito Eleitoral Antônio Augusto Mayer dos Santos avalia que as eleições de 2016 serão marcadas pela transformação no comportamento dos candidatos. Sem o financiamento privado de campanha - considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal -, os postulantes ao Legislativo e Executivo precisarão encontrar outras formas de angariar recursos.
O advogado e especialista em Direito Eleitoral Antônio Augusto Mayer dos Santos avalia que as eleições de 2016 serão marcadas pela transformação no comportamento dos candidatos. Sem o financiamento privado de campanha - considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal -, os postulantes ao Legislativo e Executivo precisarão encontrar outras formas de angariar recursos.
O especialista em legislação eleitoral afirma que mesmo sendo benéfica para a democracia, a alteração foi "muito radical" e não impedirá a existência de doações ilegais. "Não é possível imaginar uma eleição sem as questões relacionadas ao financiamento clandestino."
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Antônio Augusto Mayer dos Santos diz que mesmo não tendo resolvido algumas questões centrais, o Congresso Nacional alterou de forma substancial as eleições ao reduzir o tempo de campanha, de propaganda gratuita e abrir a possibilidade de troca partidária - no último ano de mandato. "A relação entre filiado e partido também é de partido e filiado, há uma bilateralidade nisso, e até então, havia uma prioridade excessiva ao partido político."
O advogado também critica propostas de unificação de eleições em todo o território nacional, por falta de estrutura da Justiça Eleitoral e pelo risco de tornar o processo muito complexo. "Haveria, aproximadamente, 40 digitações na urna eletrônica", projeta. E defende a impressão do voto eletrônico: "é necessário que o eleitor tenha garantias totais acerca de seu funcionamento e, se perguntarmos para 10 pessoas, mais da metade dirá que tem reservas e dúvidas".
Jornal do Comércio - A reforma eleitoral foi criticada por não ter conseguido realizar grandes mudanças; e a principal modificação, sobre o financiamento, aconteceu via Judiciário. Afinal, que alterações teremos nas eleições de 2016?
Antônio Augusto Mayer dos Santos - A primeira modificação é de comportamento. Diante da proibição da doação empresarial, os candidatos terão que buscar outros mecanismos para captar recursos. Os eventos de captação passarão a ser objeto de atenção e, em muitos casos, prioridade. No Brasil, historicamente, não há tradição de doação de pessoas físicas para as campanhas eleitorais. Existem simpatizantes que doam uma quantia quase simbólica e pessoas que fazem doação de caráter médio, mas juntos os valores são insuficientes para sustentar a campanha eleitoral. Dentro deste cenário, se tem também doações de empresários e empreendedores, comerciantes que, sob o ponto de vista de sua adesão ou simpatia, farão doações físicas para candidatos. Este é um novo cenário. Entretanto, não é possível imaginar uma eleição sem as questões relacionadas ao financiamento clandestino. Este corte da proibição da doação empresarial foi muito radical, pois impede as empresas que não tinham intenção escusa possam doar. A pessoa jurídica foi totalmente excluída do cenário da doação. Ao mesmo tempo, evidentemente, há o caráter pedagógico de proibir que as doações que decidissem eleições continuassem, o que, do ponto de vista democrático, é nocivo. Ainda penso que a empresa tem o direito de opinar no cenário nacional.
JC - Uma saída seria um projeto semelhante ao apresentado em Porto Alegre, onde empresas doadoras não poderiam ser contratadas posteriormente pelo Executivo?
Santos - Semelhante a esta proposta. Em vez de um corte tão severo, penso que talvez fosse necessário ampliar a lista dos doadores proibidos. Proibir as empresas que estivessem contratadas pelo ente federativo da eleição que fizessem doações para as campanhas eleitorais, isso precisa estar no texto da lei federal.
JC - Haverá, de fato, uma redução no valor das campanhas?
Santos - Sim, e em decorrência da nova legislação. Com a redução do período de campanha eleitoral, de 90 para 45 dias, há uma necessidade de aporte financeiro menor. Outro desdobramento do novo regramento é a redução do custo com mídia, já que o horário de propaganda eleitoral de rádio e televisão teve um corte de 10 dias. Mas faltou o horário eleitoral ser acoplado em 20 dias e em uma exibição diária. O eleitor tem uma curiosidade inicial, mas passa a se tornar algo sem atração e repetitivo. Outro desdobramento é a redução das propagandas mais ostensivas, que tendem a desaparecer. O candidato, com uma receita menor, tende a reorganizar as finanças para eventos que possam ser mais multiplicadores de votos do que os dispersos em uma propaganda de questionável retorno, como a propaganda de rua. O candidato vai ter que se adaptar, assim como se adaptou à vedação do uso de brindes, realizada há alguns anos. Mas o Congresso Nacional tem uma certa dispersão e não se debruça em termos de conceitos. A campanha será de 45 dias, e os mandatos são de quatro anos. Penso que é insuficiente este período para os eleitores conhecerem os candidatos, e o pecado desta reforma foi não organizar financeiramente a pré-campanha.
JC - A pré-campanha será mais decisiva nesse cenário?
Santos - A pré-campanha se tornou muito atrativa e importantíssima, já que é neste período que o pré-candidato terá a oportunidade de se organizar para a campanha eleitoral. Só que o Congresso pecou ao não estabelecer uma liberalidade de organização financeira na pré-campanha. O pré-candidato abre uma conta-corrente em um banco para a pré-campanha, e ela não tem validade para prestação de contas oficial. E isso tende a tornar a pré-campanha angustiante, porque a pré-campanha não tem regulamentação. Não pode lançar R$ 1,00 da pré-campanha na prestação de contas da campanha. Só que tudo isso é cenário democrático.
JC - As alterações foram suficientes?
Santos - Foram boas. A maioria das alterações foi positiva. Um elemento que me parece importante foi a eliminação da possibilidade de posse para os segundos colocados nas eleições. Agora há a determinação de realização de nova eleição em eventual cassação do eleito. Anteriormente, tinha uma regra na qual, se não haviam sido atingidos mais de 50% dos votos, tinha a posse do segundo colocado. Uma outra circunstância, timidamente explorada, é o fato de que os tribunais eleitorais, para procederem cassação de mandatos, precisam estar formados e constituídos pela totalidade de seus membros - isso amplia a ampla defesa. Também me parece importante e elogiável a questão da janela partidária, uma inovação nas relações de filiados e partidos que, em algumas situações, se desgastam. Algumas acabam se tornando insuscetíveis de recomposição. Estabelecer a possibilidade da troca de partido, em caráter excepcional e mantendo o mandato, é muito importante. A relação entre filiado e partido também é de partido e filiado, há uma bilateralidade nisso; e, até então, havia uma prioridade excessiva ao partido político. Da forma como ficou redigida a norma, em caráter excepcional e por um curto espaço de tempo, no último ano do mandato, é extremamente razoável admitir que uma troca de partido seja acompanhada pela manutenção do mandato. Os países democráticos que regulamentaram essa matéria fizeram exatamente dessa forma. O que se tem de prático nisso? A transferência da responsabilidade da avaliação para o eleitor. Se o eleitor entende que a troca de partido se justificou ou não. Outra mudança que merece elogio é a redução do prazo para a filiação partidária, que passa de um ano para seis meses.
JC - Há um número significativo de eleições suplementares, especialmente no Estado. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) é muito rigoroso?
Santos - Sim. Não tenho nenhuma reserva em dizer isso.
JC - A avaliação deveria ser de outra forma?
Santos - Respondo a pergunta a partir de fatos incontroversos. Vejo que a própria Justiça Eleitoral precisa ser repensada. Essa estrutura, vigente desde a década de 1930, com relação à composição dos tribunais, está exaurida. A Justiça Eleitoral precisa ser modernizada, para que se possa estabelecer diante de eleições, que são episódios tão importantes, uma espécie de racionalidade com relação as informações. É preciso que a Justiça Eleitoral explique melhor certas informações aos eleitores, e isso tem um custo.
JC - Como?
Santos - Por exemplo, penso que é obrigação da Justiça eleitoral explicar ao eleitor que ele tem o direito de votar nulo. E esse é um assunto que não é informado. Mas é uma matéria um tanto quanto distante das agendas.
JC - Acha que a unificação das eleições teria sido uma boa medida?
Santos - Não. Unificar eleições em um País com mais de 200 milhões de habitantes, 27 estados e 5 mil municípios seria simplificar demais a importância de cada pleito. Hoje, já é difícil para o eleitor entender a formação das pautas que dizem respeito aos seus interesses e direitos em cada eleição. Além disso, é digno de registro o fato de que, em uma eleição para presidente, governador, senadores, deputado federal, deputado estadual, prefeito e vereador, alguns destes candidatos serão rifados. No Brasil, não se faz essa unificação a pretexto de economia. A democracia tem os seus custos, e um deles é ter eleições compartimentalizadas. Mas se fosse para se alterar um cenário como este, penso que seria importante estabelecer uma distinção entre as eleições legislativas e executivas. Talvez fosse um momento de o Brasil pensar na possibilidade de eleger primeiro e tão somente aqueles que legislam e depois os que administram. Sem falar no critério que é pouco valorizado, mas que tenho a impressão que é o mais relevante dentro dessa impropriedade da unificação das eleições, que é o tempo. Haveria, aproximadamente, 40 digitações na urna eletrônica. Seria muito tempo em uma fila, muita votação; e isso, sobre o ponto de vista da logística, demoraria as eleições e ampliaria o tempo de voto.
JC - Os tribunais teriam estrutura para esse modelo?
Santos - Haveria inviabilidade do controle de abuso de poder e de propaganda eleitoral. Os tribunais têm limites, inclusive físicos. Não haveria estrutura suficiente. Os TREs têm uma atribuição no pleito estadual e, nos pleitos municipais, têm competência recursal. Como eles fariam para conciliar uma eleição como, por exemplo, a do Rio Grande do Sul de 2014, com quase mil registros de candidaturas, as eleições estaduais e mais os milhares de registros recorridos nos municípios para o TRE? E isso tudo desaguando no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Então, esse projeto não tem razoabilidade e executabilidade.
JC - Como avalia os questionamentos sobre a confiabilidade da urna eletrônica e os pedidos de impressão do voto?
Santos - Sou favorável à impressão de voto. A urna eletrônica é, sem dúvida nenhuma, um grande incremento no processo eleitoral. É, indiscutivelmente, um avanço e fornece garantias muito importantes. Entretanto, é necessário que o eleitor tenha garantias totais acerca de seu funcionamento e, se perguntarmos para 10 pessoas, mais da metade dirá que tem reservas e dúvidas. Países de primeiro mundo não pedem as urnas emprestadas. A Alemanha, em um determinado momento, pretendeu introduzir a urna eletrônica. Entretanto, organizações e instituições questionaram a urna na Suprema Corte Alemã, que entendeu que, se o eleitorado tem dúvidas ou receios com relação ao funcionamento da urna, ela não pode ser aplicada. Penso que deveria haver um mecanismo que possibilitasse ao eleitor visualizar documentalmente o seu voto. E este documento precisa ficar sob a guarda da Justiça eleitoral por, no mínimo, 180 dias para que possa ser objeto de questionamentos. O mecanismo do voto impresso é importante, pois atribui segurança para o eleitor. A urna merece a possibilidade de receber incrementos para que o eleitor, que é destinatário final de todo o processo eleitoral, tenha a certeza de tudo o que resulta e significa.

Perfil

Antônio Augusto Mayer dos Santos tem 47 anos, é casado e pai de dois filhos. Natural de Porto Alegre, graduou-se em Direito pela Pucrs e especializou-se em Direito Eleitoral. Foi professor de Teoria Geral do Estado na Ulbra e titular da disciplina de Direito Eleitoral da Fundação do Ministério Público. Atualmente, leciona na Escola Verbo Jurídico, além de palestrar em diversas instituições de ensino e colaborar regularmente com periódicos da área jurídica. Ganhou projeção ao defender políticos gaúchos no âmbito da Justiça Eleitoral, como a atuação na defesa do deputado Carlos Gomes (PRB), acusado de infidelidade partidária, em 2010 - o parlamentar saiu vitorioso do processo e continuou com o mandato. Pela trajetória recebeu medalhas do Parlamento estadual e do Legislativo municipal. É autor dos livros "Prefeitos de Porto Alegre - Cotidiano e Administração da Capital Gaúcha entre 1889 e 2012", "Vereança e Câmaras Municipais - questões legais e constitucionais" e "Reforma Política - inércia e controvérsias".
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