Colaborador que se dispõe a encarar desafios onde trabalha está cada vez mais em alta nas empresas. Conheça o profissional intraempreendedor

A arte de empreender no emprego


Colaborador que se dispõe a encarar desafios onde trabalha está cada vez mais em alta nas empresas. Conheça o profissional intraempreendedor

O ambiente da Accera, desenvolvedora de soluções para gerenciamento da cadeia de suprimentos e demanda, remete ao de grandes empresas de tecnologia. Descontração, móveis coloridos, escritórios sem divisórias. É praticamente impossível não comparar com as companhias do Vale do Silício.
O ambiente da Accera, desenvolvedora de soluções para gerenciamento da cadeia de suprimentos e demanda, remete ao de grandes empresas de tecnologia. Descontração, móveis coloridos, escritórios sem divisórias. É praticamente impossível não comparar com as companhias do Vale do Silício.
Em sua estrutura, programas de gestão como o 24 Horas se destacam. A iniciativa concede aos funcionários de espírito empreendedor, seja da área que forem - comercial, suporte ou desenvolvimento, por exemplo -, a tirarem suas ideias do papel. "Vale de tudo, desde uma funcionalidade nova à resolução de um problema", explica Leandro Gabrieli, gerente de desenvolvimento da companhia. Foi assim que a Accera descobriu um dos seus principais intraempreendedores.
Que se diga, o intraempreendedor, ou empreendedor corporativo, é aquele profissional com comportamento empreendedor, mas de carteira assinada. "São pessoas que tomam a iniciativa de fazer algo diferente do que é esperado para o seu cargo", explica o especialista Marcos Hashimoto, autor do livro Espírito Empreendedor nas Organizações.
"Funcionários pró-ativos, autônomos, que provocam discussões e buscam, entusiasmados, a melhor forma de agregar valor à empresa onde trabalham", acrescenta Max Senger, vice-presidente de Marketing da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH-RS).
Esse tipo de profissional está cada vez mais em alta. Até pouco tempo, estar empregado significava abandonar o projeto de ter um negócio - ou ter de fazê-lo nas horas vagas.
Hoje, na busca incessante por inovação, empresas como a Accera, localizada em São Leopoldo, na Grande Porto Alegre, incentivam os funcionários a "empreenderem" dentro da própria organização. O objetivo é que eles ofereçam seus projetos para a companhia. Em troca, recebem a estrutura e o capital necessário para consolidá-lo, em vez de partirem em carreira solo arriscando o próprio dinheiro. De quebra, ainda podem ser promovidos.
Foi o que aconteceu com Tiago Fraga, 27 anos - sete como funcionário da Accera. Formado em Sistemas de Internet, seu primeiro cargo na empresa foi de desenvolvedor júnior. Aos poucos, passou a se destacar, principalmente depois de ganhar duas das seis edições do 24 Horas. Como o nome diz, o programa concede exatamente 24 horas para os colaboradores entregarem uma proposta.
Uma das sugestões de Fraga foi a criação de um mapa funcional, no qual os clientes poderiam visualizar, pelo computador, informações de venda, estoque e demanda. O projeto não só foi ganhador, como incorporado pela companhia. Desde então, aponta Fraga, empresas como P&G, Cargill e Nestlé, que utilizam os serviços da Accera, ganharam eficiência. "Foi um ganho tanto para eles quanto para nós", afirma. "O mapa virou um diferencial competitivo da nossa empresa", reforça Gabrieli.
O sucesso foi tamanho que, neste ano, o intraempreendedor foi promovido a líder de Desenvolvimento, e o salário subiu 30%. "É muito bom ser reconhecido desse jeito. Me motiva a ir ainda mais além", diz.
Mapa funcional proposto por Tiago é o diferencial competitivo da Accera

Incentivo imprescindível

As empresas que formam funcionários empreendedores não se limitam às tímidas caixinhas de sugestões ou formulários de intranet: elas estimulam o comportamento. Segundo Marcos Hashimoto, dar liberdade para atividades diferentes da rotina dos colaboradores e reservar recursos para subsidiar propostas podem ser bons caminhos.
Um exemplo de "liberdade profissional" vem dos Estados Unidos. No Google, 20% da carga horária dos funcionários é dedicada para que eles possam trabalhar em seus próprios projetos. A criação do Gmail, o e-mail da empresa, e do Adsense, o serviço de anúncios, foram resultados dessa prática.
Outro exemplo, agora sobre reserva de capital, vem de Minas Gerais. No Grupo Algar, que oferece soluções para setores como Agronegócio e Turismo, foram quase R$ 80 milhões investidos em 905 sugestões de seus funcionários, desde 2001. Uma das propostas foi a reformulação da garrafa PET que armazena óleo de soja.
Sugerido pelo então trainee Edney Lima Filho, o projeto tornou autossuficiente a produção da embalagem e reduziu 25% dos resíduos sólidos no processo. A iniciativa acarretou na sua efetivação e promoção para o cargo de coordenador de projetos estratégicos.
"A liderança (da empresa) deve preparar, incentivar e criar um ambiente propício à participação dos funcionários", recomenda José Floriano, assessor de Inovação da Algar. Segundo ele, o montante investido rendeu mais de R$ 390 milhões à empresa.

Engajamento desde o princípio

De acordo com o Global Worforce Study 2014, uma das pesquisas mais aprofundadas na área de Recursos Humanos - com 32 mil entrevistados -, 40% dos colaboradores afirmam estar engajados com as corporações onde trabalham.
Para Alessandra Smaniotto, do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC), esses funcionários são intraempreendedores natos. "Porque são inovadores com visão sistêmica, que enxergam o futuro e sempre estarão dispostos a abraçarem a causa da empresa", interpreta.
Na Ilegra, empresa de TI sediada em Porto Alegre, o empreendedorismo é estratégico. Lá, os funcionários são convidados a participarem de programas que estimulam a criatividade e a inovação. "Desde a minha integração, percebi que a empresa proporcionava espaço para os colaboradores arriscarem e contribuírem com o negócio", diz Elisa Gaiesky, analista de RH da Ilegra.
Ela foi a responsável por aproximar a companhia de um grupo de advogados - o que posteriormente rendeu uma parceria para a criação de uma solução de inteligência jurídica.
Já a engenheira da companhia energética AES Sul Fernanda Pedron propôs que os postes de concreto recebessem a adição de fibras de casca de arroz. O projeto deve reduzir cerca de
R$ 6,5 milhões em custos num período de cinco anos para a empresa.
O modelo, inclusive, ficou em primeiro lugar no Impact at Work, premiação de intraempreendedorismo sustentável concedida pela ONG Net Impact. "Esse é o tipo de reconhecimento que sempre busquei quando, há 10 anos, entrei como estagiária na empresa", diz, contente. 
Mas, alto lá! É importante frisar que intraempreender é diferente de inovar. "Eu posso inovar tendo uma ideia e sugerindo-a para a empresa, que pode adotá-la ou não", diz Marcos Hashimoto. "No caso do intraempreendedor, a ação é mais importante do que a inspiração."
E se por acaso a proposta der errado? "A liderança tem de ser tolerante a erros", aconselha Alessandra Smaniotto, do IBC. “Quando as ideias não irem adiante, o ideal é assimilar o aprendizado, observar os pontos fracos e tentar novamente.” #váemfrente