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Cinema

- Publicada em 05 de Novembro de 2015 às 22:15

O aprendizado

Hélio Nascimento
Impressionante talvez não seja a definição adequada para Sicário - terra de ninguém, o novo filme norte-americano do canadense Denis Villeneuve. Isso porque o filme é ainda mais do que um relato incomum em termos de suspense e dramaticidade. Estamos diante de um desses filmes raros pela forma com que coloca o espectador diante de uma das chagas de nosso tempo. Mais do que isso, o relato serve de meio para que na tela seja erguida uma alegoria sobre o encontro do ser humano com seu lado mais sombrio e aterrador. Nesse sentido, a sequência inicial é perfeita, na medida em que sintetiza a temática da obra e dá o tom de quase tudo que se será visto a seguir. O plano no qual o veículo dos agentes invade a casa na qual alguém está diante de uma televisão faz com que todas as cenas seguintes, principalmente aquelas na qual uma família mexicana é focalizada, sejam acompanhadas pelo espectador de forma a mantê-lo preso às imagens, mesmo que nelas esteja registrado apenas o cotidiano. Este recurso está muito acima do emprego demagógico dos efeitos sonoros. Ao contrário, o que Villeneuve faz é utilizar a notável partitura do compositor islandês Jóhann Jóhannson para criar um clima angustiante, que não necessita de artificialismos para manter a narrativa tensionada ao extremo. Em termos formais, o filme é um dos grandes dos últimos tempos. Mas não tem seus méritos limitados pelo domínio demonstrado pelo cineasta sobre todos os recursos do cinema.
Impressionante talvez não seja a definição adequada para Sicário - terra de ninguém, o novo filme norte-americano do canadense Denis Villeneuve. Isso porque o filme é ainda mais do que um relato incomum em termos de suspense e dramaticidade. Estamos diante de um desses filmes raros pela forma com que coloca o espectador diante de uma das chagas de nosso tempo. Mais do que isso, o relato serve de meio para que na tela seja erguida uma alegoria sobre o encontro do ser humano com seu lado mais sombrio e aterrador. Nesse sentido, a sequência inicial é perfeita, na medida em que sintetiza a temática da obra e dá o tom de quase tudo que se será visto a seguir. O plano no qual o veículo dos agentes invade a casa na qual alguém está diante de uma televisão faz com que todas as cenas seguintes, principalmente aquelas na qual uma família mexicana é focalizada, sejam acompanhadas pelo espectador de forma a mantê-lo preso às imagens, mesmo que nelas esteja registrado apenas o cotidiano. Este recurso está muito acima do emprego demagógico dos efeitos sonoros. Ao contrário, o que Villeneuve faz é utilizar a notável partitura do compositor islandês Jóhann Jóhannson para criar um clima angustiante, que não necessita de artificialismos para manter a narrativa tensionada ao extremo. Em termos formais, o filme é um dos grandes dos últimos tempos. Mas não tem seus méritos limitados pelo domínio demonstrado pelo cineasta sobre todos os recursos do cinema.
Três filmes de Villeneuve já foram exibidos aqui. O primeiro deles, que trazia para a realidade contemporânea o tema de Édipo, reconstituído através de uma perturbadora descoberta, foi Incêndios, no qual um talento incomum já era percebido. O segundo, Os suspeitos, era um drama vigoroso no qual já aparecia uma situação agora desenvolvida em Sicário. Em O homem duplicado, baseado em José Saramago, a descoberta do oculto era o tema desenvolvido. Estamos, portanto, e não há dúvida alguma quanto a isto, diante de um autor. O tráfico de drogas na fronteira entre Estados Unidos e México tem aparecido seguidamente no cinema, mas não como agora. A cena de abertura é de grande impacto. A descoberta dos corpos é como a revelação de uma violência que se espalhará por toda a narrativa, mas raramente de forma explícita. Ela é sugerida pela já mencionada partitura musical e também por cenas encenadas de maneira a compor cada personagem. A cena do pesadelo do misterioso Alejandro, vivido por Benicio Del Toro, durante uma viagem de avião, é perfeita. O passado desse personagem, que lembra o pai em Os suspeitos, é o elemento que o impulsiona no rumo de uma violência sanguinária. A cena cruel durante o jantar da família do chefe do tráfico coloca em cena a figura do vingador, o portador da violência sem limites e sem piedade.
O motivo condutor da família desfeita é bastante claro em toda a narrativa. Durante a ação, o cineasta focaliza momentos do cotidiano de uma família mexicana, até o ponto em que esta linha se encontra com aquela dos agentes policiais. É quando o personagem de Del Toro inteiramente se revela e se nivela aos criminosos que persegue. A ausência de maniqueísmo aqui não nos encaminha para a descoberta de que gestos de humanismo não são limitados por fronteiras geográficas ou ideológicas. A cruel constatação é que na guerra focalizada a legalidade e a resistência de qualquer sentimento humano são impiedosamente sufocadas. A família, as leis, tudo é colocado de lado. A civilização é questionada e agredida, num processo por ela mesmo gerada. É o que o diretor nos mostra na troca de olhares entre Alejandro e Kate no momento do confronto final. O jogo infantil perturbado pelo som de um tiroteio é a encenação do drama da vida ameaçada, dos rituais de normalidade prestes a serem interrompidos pelas forças da irracionalidade. Um filme como este revela toda a intensidade de um drama no qual não há heróis e vilões, substituídos por personagens cuja conduta termina relevando para a protagonista verdades ocultas através de um doloroso aprendizado.
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