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Infância

- Publicada em 08 de Outubro de 2015 às 20:49

Em 25 anos, Estatuto da Criança e do Adolescente não mudou cultura da sociedade

Para Marcos Rolim, sociedade ainda acha que os filhos são propriedade dos pais

Para Marcos Rolim, sociedade ainda acha que os filhos são propriedade dos pais


ANTONIO PAZ/JC
O Dia das Crianças certamente não foi celebrado com alegria por muitos meninos e meninas do Brasil. Mesmo existindo há 25 anos, as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que definem as pessoas de 0 a 18 anos como sujeitos de direito, ainda não foram incorporadas por muitas famílias, que permanecem enxergando os menores, segundo especialistas da área, como propriedade dos pais.
O Dia das Crianças certamente não foi celebrado com alegria por muitos meninos e meninas do Brasil. Mesmo existindo há 25 anos, as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que definem as pessoas de 0 a 18 anos como sujeitos de direito, ainda não foram incorporadas por muitas famílias, que permanecem enxergando os menores, segundo especialistas da área, como propriedade dos pais.
O ECA completou 25 anos no dia 13 de julho e substituiu o Código de Menores. Com ele, surgiu a Doutrina de Proteção Integral, no lugar da Doutrina da Situação Irregular. "Antes, qualquer criança e adolescente em situação irregular poderia ter sua liberdade privada. Um jovem que morasse na rua, por exemplo, poderia ser recolhido para uma instituição. Saímos de uma situação em que a pobreza era motivo para privar alguém da liberdade para uma que vê os jovens como pessoas que estão em uma fase na qual dependem de outros, e precisam ter garantida a sua proteção integral", explica o sociólogo Marcos Rolim.
O presidente da Comissão Especial da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil do Estado (OAB/RS), Carlos Kremer, relata que, com a substituição, o jovem passou a ser visto como sujeito de direito. "A criança e o adolescente passaram a ter acesso a meios legais para fazer valer seus direitos. Hoje, eles podem fazer valer um direito violado ou postulado, sendo respeitado como qualquer adulto, em pé de igualdade", afirma.
Conforme Kremer, alguns entes da sociedade receberam, com o ECA, o dever jurídico de proteger os menores, como pais, professores e profissionais da saúde. "Todos eles devem comunicar ao Conselho Tutelar se perceberem alguma violação de direito. Inclusive, a partir do estatuto, a criança e o adolescente foram priorizados nas políticas públicas, diminuindo a evasão escolar, pois o Estado tem a obrigação de oferecer vaga e os pais podem perder a tutela se não matricularem e levarem seus filhos à escola. Hoje, de 80% a 90% das crianças estão estudando", destaca.
Com o ECA, foi estabelecida uma rede de proteção, que tem como primeiro guardião o conselheiro tutelar. Se definiu, ainda, o foco nos vínculos familiares, com o acolhimento em abrigos somente previstos para casos de violações muito graves. Na área infracional, o adolescente é responsabilizado, mas as medidas incluem conteúdo educacional, com método pedagógico, havendo a possibilidade de internação como último recurso. No Rio Grande do Sul, em julho deste ano, havia 1.195 internos na Fundação de Atendimento Socioeducativo, sendo 514 por roubo, 181 por homicídio e 140 por tráfico de entorpecentes.
Para o presidente da comissão da OAB, a PEC 171, que prevê a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos (já foi aprovada pela Câmara de Deputados e ainda será votada pelo Senado), enxerga os princípios do ECA de maneira míope, como se fosse reduzir a violência. "O esforço não é colocar o adolescente infrator em um sistema carcerário adulto, que não tem nada de ressocializador. O esforço do Estado deve ser sempre pela ressocialização", defende.
Um projeto de lei do Senado, aprovado em julho e a ser votado pela Câmara, amplia o limite máximo de internação de adolescentes de três para dez anos. A proposta, para Kremer, entra em rota de coalizão com a PEC 171. "Os dois projetos não poderiam ocorrer ao mesmo tempo, pois a PEC 171 mexe na Constituição. Embora o adolescente seja inimputável criminalmente, é recolhido e reeducado. A PEC mexe na imputabilidade penal. Já o projeto do Senado, mantém a maioridade penal como está, mas muda o tempo de internação para até dez anos", explica.
Rolim acredita que, caso aprovado o PL do Senado, o problema irá para outro extremo. "Em geral, me parece correto o limite máximo ser breve, mas há casos específicos, com adolescentes envolvidos em atos muito graves, tornando o limite de internação injusto. Um menino de 16 anos que já matou cinco pessoas não será recuperado em três anos, por exemplo, e o fato de não termos mudado isso no ECA antes abriu brecha para uma rediscussão da maioridade. Por outro lado, com a proposta do Senado, vamos para outro extremo, que é aumentar o tempo de forma geral, sem esse critério de perfis agravados", observa.
Rolim defende a criação de um direito penal juvenil. Hoje, os adolescentes apreendidos são submetidos a um direito infracional, no qual se entende que crimes cometidos por pessoas de 12 a 18 anos são atos infracionais. "Essa ideia foi apresentada com a noção de que os jovens devem ser internados para serem educados, o que parecia uma vantagem diante da punição do direito penal tradicional. Contudo, as medidas socioeducativas são vistas como punição de qualquer forma, pois as pessoas estão, com efeito, presas, mas não possuem as garantias do direito penal, como a ampla defesa, o contraditório, a prescrição, o tempo definido da medida", aponta.
As medidas de privação são definidas em seis meses, renováveis por mais seis meses, até o limite de três anos. "Se não se sabe por quanto tempo o adolescente ficará privado da liberdade, como os técnico da instituição planejarão a medida individualmente?", questiona.

Projeto gaúcho diminui reincidência na Fase

Marcos Rolim acredita que a sociedade ainda não enfrentou adequadamente o desafio de reintegrar socialmente os egressos da Fase. "Quando os jovens saem da Fase, voltam para as mesmas circunstâncias que motivaram o delito que cometeram, e voltam já ameaçados, com medo de represálias. Conversei com diversos meninos internos, perguntava o que eles iriam fazer quando saíssem de lá e eles diziam: 'primeiro, eu preciso arrumar uma arma, porque, senão, serei assassinado'. Essa fase pós-privação da liberdade, que envolve acompanhamento e proteção aos jovens, não foi pensada no ECA e na política pública em geral do Brasil, com exceção do Rio Grande do Sul", avalia Rolim.
Aqui no Estado, um programa criado durante o governo de Yeda Crusius oferece a possibilidade aos egressos da Fase de receberem meio salário-mínimo por mês se frequentarem um dos cursos de profissionalização conveniados com a fundação. De cada 100 meninos que participam desse programa, 95 não voltam para o crime. "A taxa de reincidência é baixíssima. Como contraponto, segundo uma auditoria operacional realizada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) em 2013, o Estado gastava R$ 12,5 mil por mês com cada jovem preso. Esse custo, hoje, deve ser superior a
R$ 14 mil, e o resultado é muito ruim, pois não se costuma recuperar esses meninos. E aí, com meio salário-mínimo, fora da instituição, trabalhando e se formando, se tira 95 de 100 do crime. O êxito é absoluto, deveria ser um case internacional", comenta o sociólogo.

Proteção do Estado costuma ser contra os pais, diz Rolim

Conforme Rolim, as pessoas não concordam, no geral, com os preceitos do ECA. A população costuma pensar que o espaço doméstico é imune ao controle público. "Se a criança é maltratada ou aliciada, deve ter direito à proteção do Estado, e essa proteção, incrivelmente, costuma ser contra os pais. No Brasil, a casa continua sendo um lugar muito inseguro para muitas crianças, pois é lá que elas são maltratadas, espancadas, violadas", diz o sociólogo.
De acordo com Kremer, a mudança cultural leva alguns anos, mas tem ocorrido nas famílias de maior vulnerabilidade social. "Nossa comissão vai às escolas falar com os alunos e professores. Os educadores muitas vezes são avessos a essas alterações, pois acham que perdem o poder, não entendem que eles são o fato de proteção da delinquência. Nosso papel é mostrar isso para eles, mostrar para as famílias que agredir não é o caminho, que há outras formas de dar limite", ressalta.